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Dança em minha vida
Nasci na
primavera de 1958. Na primavera portuguesa, pois foi lá que nasci. De relevante
no meu nascimento, é que minha mãe teve pressão baixa e perdeu as forças, e eu
fiquei no meio do caminho... Um médico prestimoso deu uma injeção brava em minha mãe, para que ela tivesse algumas
contrações a mais e eu nasci. Ela sempre me contava que eu era um bebê
bonitinho, mas tinha um nariz um tanto avantajado para um bebê e logo me chamaram
de Pinóquio. Minha avó, que morava no Brasil e foi para o meu nascimento,
compadeceu-se de mim e decretou:
_ Ela será a mais bonita das tuas filhas!
Nenhuma das
profecias se concretizou. Meu nariz não é pequeno, mas é charmoso (modéstia às
favas!) e jamais eu poderia ser comparada a Pinóquio. Também não sou a mais
bonita da família, mas estou satisfeita com o que Deus me deu.
Dizem que
mal comecei a andar e já corria. Gostava de dançar em lugares esquisitos como
em cima da mesa ou em parapeitos de janelas. Minha mãe falava que eu gostava de
perigo, mas eu acho que eu queria aproveitar o pouco de liberdade que me
restava...e seria muito pouco tempo, como verão a seguir.
A verdade é
que a dança sempre me encantou. Adoro assistir espetáculos de dança, musicais,
ir a bailes, filmes com danças. Quando meu pai colocava meus pezinhos em cima
dos seus grandes pés (número 44) e dançava comigo pela casa afora, eu me sentia
no Paraíso. E por que ele fazia isso? Já conto a vocês.
Quando eu
tinha 1 ano e 9 meses, uma doença terrível se apossou de mim, a poliomielite,
mais conhecida como paralisia infantil. Eu fiquei muito mal durante alguns
dias, com muita febre e muitas dores e quando ela foi embora, deixou uma
herança maldita, a sequela. Eu fiquei paralisada da cintura para baixo. Os
pormenores deste triste episódio serão assunto para outro capítulo. Afinal
estamos falando da dança em minha vida, um assunto muito mais interessante.
E aqui,
relembro que minha mãe comentava que suas lágrimas secaram quando eu tive
pólio. Eu ficava profundamente triste por minha mãe não poder mais chorar, pois
há momentos da nossa vida que só o choro pode aliviar a nossa dor. Então as
dores dela deviam ser maiores que as minhas, pois eu podia chorar... Quando ela
ficou bem velhinha, ela reaprendeu a chorar. E chorava por tudo, com os filmes,
as novelas, os telejornais. E eu, olha a ironia, ficava contente de vê-la
chorar: eu não tinha secado as suas lágrimas!
Com três
anos de idade e após alguns tratamentos, que renderão outra história, eu fui
fazer minha reabilitação e voltei para casa andando com aparelhos (tutores) nas
pernas e reluzentes bengalinhas canadenses. Então meu pai me colocava para
dançar, com meus pezinhos apoiados nos seus grandes pés. Uma maravilha!
Pensem! Nos
anos 60, esses aparelhos ortopédicos eram bem pesados e precários. Eu tive
vários, à medida que ía crescendo e alguns me machucavam, com outros caía
amiúde, enfim eram necessários, mas não eram nada confortáveis.
Foi também
no começo dos anos 60, que surgiu o “twist”! Essa palavra significa torção,
torcer. Peço licença para citar a Wikipédia:
“O Twist é
uma dança típica dos Estados Unidos que tem como origem ritmos como rock and roll, jazz e outros. A dança se expandiu dos EUA para vários países e
foi o estilo que marcou a década de 60, seu principal
divulgador foi Chubby Checker.[1]”
Era uma dança que tinha muitos movimentos
pélvicos, com torções do tronco, flexões de pernas até o chão e subindo de
novo. Era muito alegre e me conquistou totalmente. Meu grande sonho era dançar “twist”
e não via qualquer
impedimento do “alto” dos meus 4 ou 5 anos de idade. No
entanto, os aparelhos que usava eram verdadeiras armaduras metálicas, cheias de
correias de couro e fivelas. Nada indicado
para uma dança frenética! Mas vai dizer isso a uma criaturinha teimosa
como eu... Era só tocar no rádio e lá estava eu tentando dançar, me torcer,
mover pernas e bengalas, tudo ao mesmo tempo.
Para uma imaginação infantil, não existem obstáculos, barreiras, tudo se
pode!
Então, um dia, eu me esforcei mais e
mais, torci e retorci, tentei ir até o chão....e fui!!! Ouvi um “CRECK” bem
alto, senti que meu equilíbrio estava completamente comprometido e nada mais me
segurou. O aparelho tinha se quebrado com tanto “twist”! Gritei o mais alto que
pude:
_ Mãe!!! Socorro!!! Estou caindo!!!
Acode aqui!!!
E foi assim que a dança entrou na minha
vida.