quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Histórias de Lúcia, uma cadeirante

A Dança em minha vida
       Nasci na primavera de 1958. Na primavera portuguesa, pois foi lá que nasci. De relevante no meu nascimento, é que minha mãe teve pressão baixa e perdeu as forças, e eu fiquei no meio do caminho... Um médico prestimoso deu uma injeção brava em  minha mãe, para que ela tivesse algumas contrações a mais e eu nasci. Ela sempre me contava que eu era um bebê bonitinho, mas tinha um nariz um tanto avantajado para um bebê e logo me chamaram de Pinóquio. Minha avó, que morava no Brasil e foi para o meu nascimento, compadeceu-se de mim e decretou:
_ Ela será a mais bonita das tuas filhas!
       Nenhuma das profecias se concretizou. Meu nariz não é pequeno, mas é charmoso (modéstia às favas!) e jamais eu poderia ser comparada a Pinóquio. Também não sou a mais bonita da família, mas estou satisfeita com o que Deus me deu.
       Dizem que mal comecei a andar e já corria. Gostava de dançar em lugares esquisitos como em cima da mesa ou em parapeitos de janelas. Minha mãe falava que eu gostava de perigo, mas eu acho que eu queria aproveitar o pouco de liberdade que me restava...e seria muito pouco tempo, como verão a seguir.
       A verdade é que a dança sempre me encantou. Adoro assistir espetáculos de dança, musicais, ir a bailes, filmes com danças. Quando meu pai colocava meus pezinhos em cima dos seus grandes pés (número 44) e dançava comigo pela casa afora, eu me sentia no Paraíso. E por que ele fazia isso? Já conto a vocês.
        Quando eu tinha 1 ano e 9 meses, uma doença terrível se apossou de mim, a poliomielite, mais conhecida como paralisia infantil. Eu fiquei muito mal durante alguns dias, com muita febre e muitas dores e quando ela foi embora, deixou uma herança maldita, a sequela. Eu fiquei paralisada da cintura para baixo. Os pormenores deste triste episódio serão assunto para outro capítulo. Afinal estamos falando da dança em minha vida, um assunto muito mais interessante.
       E aqui, relembro que minha mãe comentava que suas lágrimas secaram quando eu tive pólio. Eu ficava profundamente triste por minha mãe não poder mais chorar, pois há momentos da nossa vida que só o choro pode aliviar a nossa dor. Então as dores dela deviam ser maiores que as minhas, pois eu podia chorar... Quando ela ficou bem velhinha, ela reaprendeu a chorar. E chorava por tudo, com os filmes, as novelas, os telejornais. E eu, olha a ironia, ficava contente de vê-la chorar: eu não tinha secado as suas lágrimas!
       Com três anos de idade e após alguns tratamentos, que renderão outra história, eu fui fazer minha reabilitação e voltei para casa andando com aparelhos (tutores) nas pernas e reluzentes bengalinhas canadenses. Então meu pai me colocava para dançar, com meus pezinhos apoiados nos seus grandes pés. Uma maravilha!
       Pensem! Nos anos 60, esses aparelhos ortopédicos eram bem pesados e precários. Eu tive vários, à medida que ía crescendo e alguns me machucavam, com outros caía amiúde, enfim eram necessários, mas não eram nada confortáveis.
       Foi também no começo dos anos 60, que surgiu o “twist”! Essa palavra significa torção, torcer. Peço licença para citar a Wikipédia:
“O Twist é uma dança típica dos Estados Unidos que tem como origem ritmos como rock and roll, jazz e outros. A dança se expandiu dos EUA para vários países e foi o estilo que marcou a década de 60, seu principal divulgador foi Chubby Checker.[1]
      Era uma dança que tinha muitos movimentos pélvicos, com torções do tronco, flexões de pernas até o chão e subindo de novo. Era muito alegre e me conquistou totalmente. Meu grande sonho era dançar “twist” e não via qualquer impedimento do “alto” dos meus 4 ou 5 anos de idade. No entanto, os aparelhos que usava eram verdadeiras armaduras metálicas, cheias de correias de couro e fivelas. Nada indicado  para uma dança frenética! Mas vai dizer isso a uma criaturinha teimosa como eu... Era só tocar no rádio e lá estava eu tentando dançar, me torcer, mover pernas e bengalas, tudo ao mesmo tempo.  Para uma imaginação infantil, não existem obstáculos, barreiras, tudo se pode!
       Então, um dia, eu me esforcei mais e mais, torci e retorci, tentei ir até o chão....e fui!!! Ouvi um “CRECK” bem alto, senti que meu equilíbrio estava completamente comprometido e nada mais me segurou. O aparelho tinha se quebrado com tanto “twist”! Gritei o mais alto que pude:
       _ Mãe!!! Socorro!!! Estou caindo!!! Acode aqui!!!

       E foi assim que a dança entrou na minha vida.

Um comentário:

  1. Lindos textos, Lúcia. Parabéns e, claro, continua. Que suas belas palavras, mais que andar, deem-te forças para voar.

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